Farsa eleitoral e crise geral

Farsa eleitoral e crise geral

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O desenvolvimento da corrida eleitoral – ou devíamos dizer, do circo – indica que prevalecerá mesmo, no âmbito da disputa, a falsa polarização Bolsonaro versus Luiz Inácio como se fosse direita versus esquerda. A “terceira via” não decola – apesar do desejo e esforço dos círculos mais poderosos das classes dominantes locais e até do imperialismo. Independentemente de quem seja o seu candidato, ele está condenado a ser cristianizado*, salvo ocorra incidente ou acidente muito grave, cuja comoção provocada modifique a presente polarização. Mesmo assim, dependerá ainda de qual impacto presumível tal comoção geraria. Vide as eleições de 2018, em que mediante a polarização Bolsonaro versus Haddad, o atentado ao primeiro deu-lhe a vitória.

Falsa polarização

Luiz Inácio, oficializando Alckmin como seu vice (ora, veja como na política reacionária tudo é válido para salvar o sistema de exploração e opressão), assegura ao capital financeiro e às classes dominantes locais que será o governo de turno de praxe, aplacando de vez o temor de que seu governo provocaria quebra do sistema econômico e institucional vigentes – temor fabricado pela direita e extrema-direita para assustar o “mercado” e os nossos liberais. Consta-se: temor absurdamente injustificado e tão falso como um ouropel, já que o petista tem uma abundante folha de serviços prestados a ditas oligarquias, na qual figuram seus dois mandatos presidenciais. Todavia, agora sem correr tal risco, fica completamente livre para fazer acenos demagógicos às massas, acenos buscando conquistar seu coração já tão pisoteado pelas mazelas da grave crise que há sete anos assola a Nação (potencializada com mais de dois anos de pandemia), com o aumento exponencial da fome e da miséria; enfim, desesperança e padecimentos, mas também revolta represada.

No fim das contas, como não poderia deixar de ser, o petista arvora o programa da fração burocrática da grande burguesia, o surrado desenvolvimentismo: financiamento estatal para obras públicas com fim de criar emprego em baixa qualidade, mal pago e rapidamente na construção civil; desendividar as famílias para “reativar” seu consumo com base em novo e maior endividamento; impulso ao “agronegócio” com financiamento às custas das arcas públicas etc. Tudo em benefício dos bancos, dentre os quais e com proeminência, o capital burocrático. É, no terreno econômico e no essencial, o mesmo programa de Ciro Gomes, o qual corre por fora.

Bolsonaro, acovardado que se acha, ameaçado e chantageado por todos os lados – com seus filhos tacitamente ameaçados de prisão, corrupções abundantes em seu governo, o genocídio no manejo da pandemia de Covid-19 etc. – está em péssimas condições, enquanto persistir sob tais temperatura e pressão. Seu discurso certamente será o de sempre: não lhe deixaram governar, que teve que se ater ao establishment, que “aquela cadeira tem kriptonita”, que os esquemas em seu governo, eventualmente postos a público, são porque não lhe permitiram evitar; que o Supremo Tribunal Federal (STF) em nada lhe permitiu mudar a estrutura desse “Estado cooptado pelo PT” e tome “blá blá blá”. Enfim, sua cartada final, de que só há uma solução: um regime militar. Mas, claro, regime muito mais nefasto, genocida e vende-pátria do que o atual.

Cada vez mais, à medida que suas possibilidades eleitorais forem minguando – se o forem -, a sua campanha tomará o mote de ser muito menos para eleger-se, e muito mais de agitação e propaganda sobre a “necessidade” do golpe militar, com o propósito de provocar maior instabilidade militar nas bases das Forças Armadas. Instabilidade que, se bem não seja por si só capaz de ser um golpe, obrigue o Alto Comando militar – para não haver divisão na tropa – a não aceitar os resultados das urnas eletrônicas ou lançar mão de alguma provocação para intervir com tropas (isso, na melhor das hipóteses para Bolsonaro).

Divisão das classes dominantes

Como se vê, o grau de tensões e de perigos que encerram essas eleições não permitem candidaturas frouxas. As próprias massas sentem a atmosfera pesada e querem, definitivamente, outro regime político.

Notemos: todos possuem o mesmo programa, no fundamental, em todos os campos. Todos, no fim das contas, estão empenhadas no plano imperialista de tentar impulsionar o capitalismo burocrático – inclusive Ciro e Luiz Inácio, os que mais se diferenciam, na forma, por estarem mais alinhados aos interesses da fração burocrática neste momento. Para isso, qualquer um que vença tem compromisso com o aprofundar da retirada de direitos das massas populares, unicamente possível através de restringir ainda mais as liberdades democráticas e as garantias constitucionais, pois tudo se dá em meio à maior crise da história do capitalismo burocrático no país, durante a maior crise de legitimidade das instituições dos últimos 40 anos, e em meio à crise geral sem precedentes que está entrando o imperialismo e de crescente tensão bélica mundial.

Nesse contexto, os generais golpistas do Alto Comando das Forças Armadas (ACFA) estão atentamente medindo a temperatura do país. Preferindo uma candidatura da direita liberal, sobre a qual possam impor sua vontade mais facilmente e sem maiores abalos institucionais, o ACFA joga também com outros cenários (diante da tendência desse não se efetivar). Para tanto puseram Braga Neto à cola de Bolsonaro, para tutelá-lo caso esse vença (o que é do total interesse de Bolsonaro, pois quanto mais vinculado às FA, mais essas estarão no vórtice da crise para seus planos golpistas); ao mesmo tempo, os generais não se pronunciam mais com discursos que possam produzir indisposição com Luiz Inácio, abertamente.

Os generais cogitam também intervir militarmente, em caso extremo, determinado pelo nível de agitação extremista nos quartéis e pelo nível de descontrole que tome a luta das massas populares, o que denominam por “crise social”. Embora tenha assegurado o cargo de vice-presidente a pessoas que lhe permitem saídas menos abruptas nas duas principais chapas – o Braga Neto e o opus dei Alckmin -, o ACFA também poderia intervir no caso de resistência do novo governo aos seus planos e na inviabilidade de outros meios. Todavia, o extremo, sendo possível, não é a tendência principal para agora, mas sim para o médio ou longo prazos.

Vejamos que desde a chapa – e no seu eventual governo – Luiz Inácio tem e terá uma base de interesses muito ampla, exigindo muita flexibilidade numa situação tendente à instabilidade conforme a velocidade do agravamento da crise econômica, da explosividade das massas e da pugna no seio das classes dominantes. Diante disso, mesmo frente às constantes ameaças de Bolsonaro em não aceitar sua derrota, os generais oferecerão já no segundo turno – ainda que só nos bastidores – condições de estabilidade ao novo governo eleito, desde que lhe seja cedida a função de Poder Moderador, não só de fato, mas também de direito. Vão impor como condição a restrição máxima do regime político e ordenamento jurídico, garantias para sua ação genocida contra as massas em luta, especialmente contra os camponeses e a Revolução Agrária, mas mantendo a careta liberal de “democracia” do velho Estado em decomposição. Assim, seguirá se desenvolvendo a ofensiva contrarrevolucionária preventiva.

O papel desta farsa eleitoral

Assim está colocada a questão para as próximas eleições: chancelar, de um modo ou de outro, o agravamento do regime de fome e de cassação gradual das liberdades democráticas; o regime de terror contrarrevolucionário, a princípio mais velado, até tornar-se escancarado.

A farsa eleitoral, uma vez mais, buscará cumprir seu papel dentro da estratégia ianque de dominação como elemento de sua guerra de baixa intensidade, de legitimar a velha ordem de exploração e opressão e de aprisionar as massas à alienação política da farsa eleitoral. A reação não terá o êxito que busca – mais do que não tem tido nas eleições anteriores – se for levado a termo um boicote eleitoral ativo e fundido com uma agitação e propaganda sobre a necessidade da Revolução de Nova Democracia; não terá êxito, se as eleições reacionárias forem confrontadas com as ações revolucionárias de massas e uma enorme abstenção, como tende a ocorrer, apesar da falsa polarização criada para arrastar os eleitores às urnas. Essa é a tarefa dos revolucionários do País na quadra presente.


Nota:

*  Referência a Cristiano Machado, postulante a mandatário do país nas eleições de 1950; foi abandonado e traído por seus correligionários, que embarcaram na campanha de Getúlio Vargas. Nascia a expressão “cristianizar”.

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