Antecedentes da Grande Tempestade
Os antecedentes da Grande Revolução Cultural Proletária (GRCP) na China — particularmente o final da década de 1950 e início dos anos de 1960 — foram marcados por uma feroz luta ideológico-política na direção e comitês do Partido Comunista da China (PCCh) e na sociedade chinesa. Já em 1962, na reunião do Comitê Central (CC), o Presidente Mao Tsetung predicou que “Nunca, jamais se deve esquecer a luta de classes”, e grandes tempestades ideológicas revolveram profundamente o Partido Comunista e a Nova China.

“Liu Shao xi, Deng Xiaoping e Tao devem sair do Comitê Central do Partido!”, 1966
Em 14 de junho de 1963, o Comitê Central do PCCh publica a Carta de 25 pontos, ou A Carta Chinesa, como ficou conhecida a Proposição Acerca da Linha Geral do Movimento Comunista Internacional, uma contundente resposta do CC do PCCh à carta do CC do Partido Comunista da União (PCUS) de 30 de março daquele ano. Deste modo, abriu-se publicamente a Grande Polêmica, batalha ideológica que já vinha sendo travada no seio do Movimento Comunista Internacional entre a linha revolucionária, vanguardeada pelo PCCh, e o revisionismo moderno encabeçado por Nikita Khrushov e a direção revisionista do PCUS.
O Presidente Mao Tsetung encontrava-se, portanto, no centro da tarefa monumental de dirigir, internamente, a Revolução Socialista e a luta contra os representantes da burguesia, defensores da via capitalista encrustados no partido e no governo e, na arena do Movimento Comunista Internacional, a grande batalha ideológica contra o novo revisionismo.
Muito pouco ou quase nada a respeito das tormentosas lutas de duas linhas travadas no seio do PCCh e da sociedade chinesa nesse período foi publicado à época ou chegou ao conhecimento dos comunistas em nosso país.
Para que se compreenda profundamente a importância e o significado da Grande Revolução Cultural Proletária se faz necessário verificar a situação geral da luta pela construção socialista na China, como também da luta em defesa do marxismo-leninismo no Movimento Comunista Internacional.
Trata-se dos antecedentes e da luta feroz que resultou na sistematização e contribuição universal do maoísmo para a Revolução Proletária Mundial. As necessidades de sucessivas Revoluções Culturais Proletárias como continuação da revolução sob a ditadura do proletariado e seu caráter indispensável — pois sem ela a revolução não pode prosseguir sua marcha para o comunismo.
Aparência e essência
Em 10 de novembro de 1965, o Wen Hui Bao, um jornal diário de Xangai, publicou um artigo do jovem jornalista Yao Wen-Yuan*, membro da seção de propaganda do Comitê Municipal, sob o título “A propósito da peça histórica ‘A destituição de Hai Juei’”. Com a publicação desse artigo, acendeu-se — para utilizar uma expressão do Presidente Mao — uma chispa que incendiou a pradaria. O fogo subterrâneo que ascendeu em grandes labaredas, em maio de 1966, com a deflagração da Grande Revolução Cultural Proletária, já vinha ardendo no interior do partido desde o final dos anos de 1950.

Peng Dehuai sendo denunciado para ser humilhado publicamente pela Guarda Vermelha.
A peça de teatro intitulada A Destituição de Hai Juei, apresentada pela primeira vez em 1962, foi composta pelo autor e historiador Wu Han, que até 1964 fora vice-presidente do Comitê Municipal de Pequim. Ela narra a história de um funcionário da antiga China, vítima de um imperador tirânico que o destituíra injustamente. A peça denunciava os “males do autocratismo” e exaltava a resistência de Huai Juei e a sua firmeza perante os reveses de que era vítima. Sob a forma de uma peça histórica, Wu Han fazia, na realidade, uma alusão bastante evidente à destituição de Peng Teh-huai, que, apoiado pelos dirigentes revisionistas da URSS e sua camarilha anti-partido, tentara um golpe contra a direção de Mao Tsetung em 1959. A destituição de Hai Juei foi produzida em 1961, justamente quando Peng Teh-huai, com apoio de alguns dirigentes, pedia sua reabilitação no partido.
Foi sob orientação do Presidente Mao Tsetung, que Yao Wen-yuan e as organizações do partido em Xangai se lançaram na crítica de Wu Han, que constituía o primeiro passo da estratégia planteada pelo Presidente Mao Tsetung para promover uma profunda transformação revolucionária nas superestruturas da sociedade chinesa.
Em setembro de 1962, realizou-se a X Seção Plenária do VIII Comitê Central, quando o Presidente Mao Tsetung planteou que “a sociedade socialista cobre uma etapa histórica bastante longa. Durante a etapa histórica do socialismo, ainda existem classes, contradições de classe e luta de classes: existe a luta entre o caminho socialista e capitalista e existe o perigo da restauração capitalista. É preciso compreender quão longa e complicada é essa luta. É imperativo elevar nossa vigilância. É necessário realizar a educação socialista. É necessário compreender e tratar de maneira correta o problema das contradições de classe e da luta de classes e distinguir acertadamente as contradições entre nós e o inimigo e as existentes no seio do povo e tratá-las de maneira correta. De outro modo, um país socialista como o nosso se converterá no seu contrário, degenerará e se produzirá a restauração”. E lança o chamamento de “não há que esquecer a luta de classes”.
Nesse momento, Peng Cheng, presidente do Comitê de Pequim, membro do Comitê Permanente e do Birô Político do PCCh, se mostra como o principal opositor à linha revolucionária e a chefatura de Mao Tsetung.
Sabotadores
Peng Cheng e seu grupo esforçam-se sobremaneira para limitar e impedir o debate sobre a crítica de Wu Han, buscando atribuir a ela um caráter meramente acadêmico, retirando seu conteúdo político. Na República Popular da China, um artigo importante como a crítica de Yao Wen-Yuan era reproduzido em vários outros órgãos de imprensa, tanto centrais como locais. Mas, através de Lu Ting-yi — encarregado do serviço de propaganda do CC —, Peng Cheng travou indiretamente a difusão de A propósito da peça histórica “A destituição de Hai Juei”, fazendo com que oartigo de Yao Wen-yuan só fosse reproduzido nos jornais e revistas da China Oriental. Somente três semanas após sua publicação no Diário de Xangai é que o artigo foi editado no Diário de Pequim, no entanto, com uma nota bastante ambígua que tentava apresentar o caso Wu Han como um debate menos político do que histórico. Aqui fica claro o porquê da orientação do Presidente Mao de começar o ataque pela província e não em Pequim.

“Esmagar completamente a linha contra revolucionária de Liu-Deng”. 1967
Em dezembro, Teng Tuo, adjunto de Peng Cheng, publicou um artigo no Diário de Pequim intitulado “A destituição de Hai Juei” ao problema da herança dos valores morais, com o tom de um debate sobre literatura em geral e não como um problema político, afirmando que deveria limitar-se ao exame de certo número de questões relativas a investigação histórica. Enquanto isso, Peng Cheng e Lu Ting-yi seguiam proibindo a publicação de vários artigos que aludiam a problemas políticos ligados a crítica de Wu Han.
Nos meses seguintes, entre o fim de dezembro de 1965 e fevereiro de 1966, Peng Cheng e seu grupo seguiam empenhados em impedir as publicações de crítica a Wu Han e a impor suas ideias. Em 27 de dezembro de 1965, Wu Han publicava uma longa autocrítica no Diário de Pequim e no Diário do Povo e tudo fazia crer que, com essa autocrítica, tivesse encerrado o debate.
Peng Cheng afirmava que se chegaria a uma conclusão da questão Wu Han “dentro de dois meses”, mas a discussão da peça fazia parte de um movimento muito mais vasto, um movimento que se integrava a outro ainda mais profundo de crítica a ideologia burguesa e das sobrevivências do passado. Já se ouvia falar em Revolução Cultural, embora o termo só passasse a ser utilizado amplamente a partir de abril de 1966.
No início de 1966, o CC do PCCh constitui o Grupo dos 5 encarregado de dirigir a Revolução Cultural, composto por Peng Cheng, Lu Ting-yi, Chu Yang, Wu Leng-si e Kang Cheng. No Grupo dos 5, apenas Kang Cheng, ex-membro do Komintern e membro suplente do Birô Político do PCCh durante a GRCP era considerado partidário da linha revolucionária de Mao Tsetung.
Todos os documentos oficiais mostram que o início do movimento em 10 de novembro, em Xangai, foram preparados por uma importante reunião de trabalho do Comitê Central realizada em setembro e outubro de 1965 sob a presidência de Mao Tsetung. Como compreender então por que Peng Cheng, que vinha se opondo frontalmente a linha revolucionária, estivesse no Grupo dos 5 encarregado de dirigir a Revolução Cultural — e mais, tivesse papel dirigente nele? O desenvolvimento da GRCP comprovará, mais uma vez, a justeza e o acerto da direção do Presidente Mao Tsetung.
Em 5 de fevereiro de 1966, Peng Cheng, apesar da provável oposição de Kang Cheng, aprovou um Relatório sobre o atual debate acadêmico redigido pelo Grupo dos 5, destinado a orientar o desenvolvimento da GRCP. Tal relatório tendia a conferir um caráter acadêmico aos diversos debates em curso, sobretudo aos relacionados com a peça de Wu Han, e continha diversas recomendações que mais tarde foram duramente criticadas.
Peng Cheng cometeu assim um erro fatal e revelou sua posição revisionista. Existia agora um documento escrito que explicitava detalhadamente sua concepção errônea e restritiva da Revolução Cultural.
“Linha negra”
A partir de março, o relatório de fevereiro passou a ser alvo de duras críticas. Sob a direção de Mao Tsetung, realizou-se uma reunião da direção do partido no qual Peng Cheng e o serviço de propaganda do CC (que apoiou as manobras para impedir o debate sobre Wu Han) foram duramente criticados. Foi lançada a palavra de ordem “é preciso derrubar o Rei dos Infernos e libertar os diabretes”, isso significava que o serviço central de propaganda e seus dirigentes deveriam ser criticados pelos organismos e pelos quadros que lhes estavam subordinados, método preconizado por Mao Tsetung para retificar o trabalho no partido: submeter os escalões superiores à crítica dos escalões inferiores.

“O traidor renegado e sarnento Liu Shao-xi deve ser para sempre expulso do Partido”. 1968
Em nova reunião ampliada do secretariado do CC, Peng Cheng foi acusado de se opor a linha revolucionária de Mao Tsetung. Também foram criticados Lu Tin-ui, responsável pela propaganda; o chefe do estado-maior Luo Juei-king e Yang Chang-kuen, um membro do CC. Toda essa luta se deu no interior do partido e nenhum dos quatro foi destituído de suas funções. A imprensa central do PCCh publicou críticas às teses contidas no Relatório de fevereiro sem citar o nome do autor e dos demais. Somente um ano mais tarde foram divulgados seus nomes. Durante todo este tempo criticaram-se suas teses, suas ideias, mas não as pessoas.
O Diário de Pequim, que continuava a ser dirigido pelos colaboradores de Peng Cheng, publicou apressadamente artigos “autocríticos” relativos a duas crônicas: As palestras da noite em Yenchan e A Aldeia dos Três. Crônicas produzidas há algum tempo por Wu Han, Teng Tuo e Liao Mo-cha, partidários de Peng Cheng e figuras importantes no Comitê Municipal de Pequim. Era tentativa desesperada de se salvarem da tempestade que sentiam aproximar.
Em abril, iniciou-se uma grande ofensiva ideológica contra a orientação até então seguida por Peng Cheng, com base no documento intitulado Relatório das conversas tidas durante a concentração dos artistas e literatos das forças armadas. Este documento trazia a síntese dos debates de uma reunião realizada sob a direção de Chiang Ching, destacada dirigente do PCCh e partidária da linha revolucionária do Presidente Mao Tsetung, que seria uma das mais proeminentes dirigentes da GRCP e defensora do pensamento Mao Tsetung.
Sem fazer alusão direta ao caso Wu Han, o documento elaborado por Chiang Ching destacava a primazia do político sobre o acadêmico. Sublinhava a existência de uma “linha negra” no domínio literário e artístico que impedira que este tomasse características verdadeiramente proletárias.
Em 18 de abril, o Diário do Exército publicava um editorial intitulado: Exaltamos o pensamento de Mao Tsetung. Participemos ativamente na grande revolução cultural socialista.
Prenúncio: raios e trovões
A luta se tornava cada vez mais aguda. Em 8 de maio foram publicados diferentes artigos que punham em evidência a “linha negra” seguida por Wu Han, Teng Tuo e Liao Mo-cha. Em 10 de maio, Yau Wen-yuan publica em Xangai novo artigo intitulado A propósito da Aldeia dos Três e tem como subtítulo “O caráter reacionário das ‘Palestras da noite em Yenchan e da Crônica da Aldeia dos Três’”. Os autores são acusados de se oporem desde há muito tempo à linha revolucionária do Partido e a Mao Tsetung, critica os textos autocríticos publicados em 16 de abril na revista Frente e no Diário de Pequim, demonstrando que tratavam-se de falsas autocríticas. Menciona o fato de os autores terem defendido a peça de Wu Han, intitulada A destituição de Hai Juei, e de, em coordenação com a corrente revisionista dos dirigentes da URSS, terem publicado, em diversos órgãos de imprensa, teses contra a linha do Partido.
No interior do partido a crítica era muito mais rigorosa e certos documentos internos designavam nomeadamente Peng Cheng como um “representante da burguesia”. Isto era claramente indicado na circular do Comitê Central datada de 16 de maio de 1966, que anuncia a anulação do Relatório de fevereiro.
Este documento, assinado pelo CC do PCCh, cuja redação foi dirigida pessoalmente pelo Presidente Mao Tsetung, em 10 pontos, com rigor teórico e clareza extremos, dá as orientações fundamentais para impulsionar de forma justa a Grande Revolução Cultural Proletária.
A partir da publicação da Circular de 16 de maio, a Grande Revolução Cultural Proletária adquire fisionomia e dimensão completamente diferentes. A revolução socialista ingressa a um novo e superior patamar, o mais alto já alcançado pela Revolução Proletária Mundial até os dias atuais.
* Yao Wen-yuan viria mais tarde a ser membro do Grupo Encarregado da Revolução Cultural e também um dos chefes do comitê revolucionário de Xangai criado em janeiro de 1967 e no IX Congresso do PCCh, em 1969, eleito membro do CC e de seu Birô Político.