- Lisandro Otero*
- Ano III, nº 19, julho de 2004
Contos de Vovô Bush: A fábula da soberania do Iraque
Bush vê seu apoio popular enfraquecido, as pesquisas lhe são adversas, mas deve ganhar a batalha da imagem. Aprendendo a lição do colonialismo inglês, trata de armar uma força nativa que se encarregue da repressão e uma burocracia mansa, oriunda do país, que obedeça ordens e as administre na colônia. Como nunca faltam traidores, vende-pátrias, pelegos e colaboracionistas, apóstatas lograram armar esse chamado “governo” que está encabeçado por um conhecido e declarado agente da CIA, Iyad Allawi.
Mas o comensal pensa uma coisa e o cozinheiro outra. A resistência patriótica ofereceu no dia 23 de junho, quarta, uma refutação espetacular aos planos de criar um protetorado iraquiano. Cinco cidades foram cenário de cruentas batalhas que deixaram 70 mortos e cerca de 300 feridos, na primeira contagem, quase todos membros dessas forças nativas que estão sendo organizadas. A intenção é criar um exército e uma polícia com nativos que “tirem as castanhas do fogo” e enfrentem a rebeldia nacionalista,enquanto eles se dedicam, com toda calma, a extrair o petróleo que não está saindo tão facilmente.
Em Faluja, Ramada, Baquba, Mossul e Bagdá foram desatados violentos combates nas últimas horas (23/06). O sangue de soldados ianques segue jorrando e essas notícias adversas chegam aos jornais e influem nos eleitores que vêem no caos do Oriente Médio a prova mais evidente da incapacidade de Bush. Em Baquba bombardearam a cidade com projéteis de 500 libras, que somente são usados em enfrentamentos com outras unidades militares e jamais devem ser usadas em conflitos com civis, dentro de cidades densamente povoadas. Os helicópteros disparam seus potentes projéteis contra casas habitadas — manifestações da selvageria sem misericórdia com que o Pentágomo está procedendo.
As ruas das cidades iraquianas, segundo o correspondente do New York Times, estão cobertas de carniça. É frequente ver paredes cobertas com restos humanos putrefatos, vidros quebrados, estilhaços, automóveis carbonizados pelas explosões, atoleiros de sangue coagulado, lixo acumulado — a imagem da guerra.
Ainda que essa fábula chamada “transferência de soberania” se efetue, o governo títere somente terá jurisdição sobre os 6 km² da chamada Zona Verde de Bagdá, com suas 37 ruas e avenidas, um enclave rodeado por casamatas de vigilância, e torres de observação, dezenas de quilômetros de altas muralhas de concreto, ninhos de metralhadoras e carros de assalto estacionados junto aos bem vigiados acessos. Ali se encontram as embaixadas da coalizão, os escritórios dos consórcios petroleiros, os coordenadores dos mercenários, o centro da CIA, todo dispositivo da conquista. Ali se encontra também o luxuoso e racista Hotel Rachid, reservado unicamente para os ianques. Para entrar na Zona Verde é preciso passar por quatro postos de controle e sofrer três revistas corporais, segundo o correspondente do Le Monde. É preciso também preencher um formulário explicando a causa da visita. Para circular no perímetro terá o acompanhamento de dois guardas. Esse é o verdadeiro e único território que alcançará a jurisdição do governo de marionetes. O inepto Paul Bremer será substituido pelo corsário John Negroponte, conhecido por seus crimes na base El Aguacate, em Honduras. Os ianques pretendem que esta farsa signifique o “fim da ocupação” do Iraque, que se converterá numa “república independente.” Nada explica como é que, nessa circunstância, os 130 mil soldados ocupantes permanecerão ali enfrentando uma descomunal insurreição popular.
*Traduzido de www.rebelion.org