No último dia 22/06 o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, interveio na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado. Seu discurso foi encarado como “nacionalista” por políticos e páginas ditos de esquerda. Vale a pena, sobretudo no contexto atual, dar uma olhada mais de perto no que consiste esse “nacionalismo”, a quais classes e interesses objetivamente ele serve.
Comandante do Exército, general Villas Bôas, com Michel Temer, em 2015 | Foto: Eduardo Dias da Costa
O cerne da fala do general voltou-se para a defesa de um “projeto nacional” para a Amazônia, capaz de fomentar o seu “desenvolvimento”. Disse que a região, cujas riquezas o próprio Exército avalia em U$ 23 trilhões, carece de “polos intensivos para empregar aquela grande mão de obra, impedindo que ela vá viver do desmatamento extensivo”. Disse-se “preocupado” com a “abertura para a exploração das riquezas minerais por empresas de fora”. Mencionou, nesse sentido, que o Exército tem levantamentos sobre a “estranha coincidência” entre a demarcação de terras indígenas com a presença de riquezas minerais. Ainda sobre os povos indígenas, disse que estes são as “maiores vítimas” da situação atual, sendo “usadas” por interesses ligados ao ambientalismo e depois “abandonadas à própria sorte”. Vaticinou, num estilo grandiloquente tão comum em seu meio, que “ao Brasil não resta outra alternativa a não ser tornar-se uma potência”.1
Chamou atenção, como já disse acima, a deferência – para não falar bajulação - com que foi tratado na reunião por senadores ditos de esquerda como Lindbergh Farias (PT) e Vanessa Graziotin (Pecedobê). O senador Cristovam Buarque, que faz o tipo “nem contra nem a favor, muito pelo contrário”, lamentou que muitos setores da sociedade brasileira ainda se prendam a definições ideológicas da guerra fria, “anacrônicas”. O blog Brasil247, ligado ao PT, estampou, certamente distorcendo (como lhe é característico) o que disse o militar: “Chefe das Forças Armadas condena entreguismo de Temer”. Pela milésima vez esses renegados da esquerda e da luta popular fazem coro com a opinião que apregoa uma suposta “vocação nacionalista e democrática” do Exército Brasileiro, o que, realmente, é uma completa ilusão, um embuste completo – tal “vocação” eterna e imutável não existe, de fato, em nenhuma organização social em geral e muito menos numa força repressiva em particular, que serve sempre a determinadas classes, dos grandes burgueses e latifundiários. Esse é o abc, e ter de lembrá-lo mostra o quanto esta gente está distante de qualquer referencial minimamente ligado ao materialismo histórico e, portanto, de uma concepção de esquerda.
Passemos ao discurso do general, isto é, à essência da questão.
Primeiro, a defesa do “desenvolvimento” como remédio para todos os males, conceito siamês da Doutrina de Segurança Nacional que desembocou no golpe de 1964 (“Segurança e Desenvolvimento” era o seu lema). Desenvolvimento para quem, afinal? Para os empreiteiros e grandes proprietários “nacionais”, beneficiados com a construção de rodovias para escoar a nossa produção in natura, modelo tão típico dos anos de regime militar (e que, grosso modo, segue vigente)? Defender o desenvolvimento assim em geral, reduzido quase que ao seu aspecto meramente quantitativo, segundo a velha fórmula do bolo de Delfim Neto, “esquecendo” que no capitalismo – particularmente no de tipo burocrático – ele nada mais é do que o enriquecimento de alguns e o empobrecimento de milhões, nada tem de progressista: é o velho discurso reacionário de identificar Estado, Povo, Nação e Classes como uma coisa só. É escamotear, no interior das fronteiras nacionais, a exploração desapiedada de uns sobre os outros, o antagonismo e os choques inevitáveis entre opressores e oprimidos.