Escritor, contador de histórias e poeta da terra, Milton Santiago descreve a vida e o povo do Vale do Jequitinhonha e do Alto Rio Parte, em Minas Gerais. Natural de Salinas, Milton explora as relações sociais e a relação das pessoas com a terra, dando evidência a sua região, ao seu povo, que vive entre grande riqueza cultural e a imensa pobreza e miséria marteladas pela colonização portuguesa e continuada e aprofundada pela atual condição semicolonial e semifeudal do país.
— A poesia sempre fez parte do meu universo criativo e segue como uma de minhas formas de expressão favoritas. Minha obra é narrada em prosa poética e poesia e fala sobre os Vales não só como espaço geográfico, mas principalmente como espaço filosófico, cultural e de memórias — explica Milton.
— Para representar minha ficção, parto da realidade dos Vales metaforizando a dor, a miséria e as consequências traumáticas das longas secas, que expulsam o homem dessas terras. Falo também do lado político e social dessa realidade, utilizo elementos que se aproximam do realismo fantástico fazendo uma literatura de cunho engajado histórica e socialmente — conta.
Milton quer com sua obra mostrar o verdadeiro Vale, que nada mais é do que pessoas.
— O Brasil tem a visão errada dos Vales, de que é uma região extremamente pobre e seca, e nós queremos corrigir essa visão externa, porque se tornou interna. Quer dizer, os moradores dos Vales já sinalizaram, incorporaram essa visão de si mesmos — fala.
— Provavelmente a nossa responsabilidade histórica é produzir uma imagem de nós, mesmos que seja diferente, criar uma ideia de um Vale que é diverso, complexo, e que tem muitos vales dentro de si próprio, como qualquer outro lugar. Aqui tem um povo sonhador, guerreiro e realizador — relata.
— Ho Chi Minh [1890-1969], revolucionário vietnamita, o [ex-]presidente do Vietnã, esteve preso e escreveu na prisão belíssimos poemas de amor, cheios de ternura, da mais fina ternura. E quando perguntaram como foi capaz de produzir essa obra em uma condição tão sofrida na prisão, respondeu: “Eu desvalorizei as paredes”. No fundo, acho que escrevemos para desvalorizar as paredes — expõe.
A artista plástica Elisiana Alves, que mora em Taiobeiras, Jequitinhonha, faz com ele a travessia pelos Vales.
— Todas as capas e ilustrações da minha obra são da Elisiana. As úlceras deixadas nas paisagens são exploradas pela escrita poética e a obra da Elisiana Alves, cujo lirismo funciona como bálsamo cicatrizante e cuja lucidez política serve para abrir os olhos do povo, numa tentativa de curar a cegueira reinante nos Vales e no Brasil — fala.
— Meus textos e a obra de Elisiana fundam uma semiose libertadora, cuja ação, por intermédio de representações oníricas, faz aflorar o imaginário cultural popular, censurado tanto no período colonial como nos governos das elites. Temos consciência que nossa obra apresenta um grande vigor poético, textos com lirismo e dotada de profunda consciência social — continua.
Ficção, realidade e consciência política
— Meu primeiro livro é Miltonalidades, uma seleção de poemas. O segundo, Os Mil Tons da História, segue uma linha de pensamento que atravessa todas as minhas obras, que é a procura das identidades diversas e o perigo das histórias mal contadas. Sou de uma região que foi colonizada pelos europeus em ruptura com o passado do povo nativo, das suas tradições, memórias, cultura e histórias — diz Milton.
— Inventaram histórias para nós. Percebi que a minha história e a de muitos outros é o resultado de uma invenção dos europeus, aceita pelas elites deste estado e do Brasil, por exemplo, a de que somos uma região pobre demais, o que não é verdade. Somos diversos como qualquer outro lugar. O pior que os moradores incorporaram esta mensagem — expõe.
— Minha obra propõe romper com este pensamento. Procuro minha identidade familiar e isto coincide muito com a procura de identidade deste país. Os Vales foram, por muito tempo, representados no imaginário dos brasileiros como uma região pobre, mística, e essa imagem tem sido perpetuada não apenas na literatura e na mídia em geral, como também nos bancos escolares — continua.
Os Mil Tons da História, lançado em 2013, teve grande repercussão, sendo adaptada para o teatro. Neste mês de setembro Milton está lançando seu terceiro livro, A Menina e o Poeta.
— Ele traz inovação poética com metáforas dos Vales, personagem popular, valorização das tradições da terra, crítica social e política, são muitas e marcantes as características da obra. A Menina e o Poeta deixa claro que os vales são um lugar de troca de experiências e culturas muito intensa — relata.
— A primeira parte do livro é uma história inspirada em uma experiência de sonho, o mote da obra é a aparição de uma garota na vida do poeta. Entretanto, o episódio se desenvolve como pano de fundo para iluminar tanto questões existenciais e sociais de Salinas e dos Vales — diz.
E no momento Milton está escrevendo sua quarta obra, A Vila Dos Contadores de Histórias.
— O livro pretende refletir sobre a representação literária da função social do velho na literatura dos Vales. Guardião da memória e da tradição, conserva o passado interligando-o ao presente, no que respeita à tradição dos conhecimentos aos pósteros e à contribuição que esta significa na formação identitária dos mais novos — fala.
— Temos aqui na Vila um exemplo de sociedade antiga ou primitiva, na qual se observa a transmissão de conhecimentos dos mais velhos aos mais novos. Percorrendo o passado encontro a valorização da memória para a constituição da história e da identidade de um povo — continua.
Milton mora em Salinas, Jequitinhonha, e além de escritor e poeta é também assistente social e radialista, em uma rádio local.
— Na rádio falo sobre minha obra dentro de um contexto regional a partir de Salinas. Falo muito das buscas das identidades diversas, mas também de uma particularidade salinense que é a Salinidade: a arte de fazer bem feito — conclui.
[email protected].com é o contato do artista.