Montes Claros, "capital" do Norte de Minas e uma das maiores cidades do estado, com aproximadamente 400 mil habitantes, passa por um drástico desabastecimento de água. A principal fonte de abastecimento do município, a Barragem de Juramento, responsável por 65% do abastecimento para a área urbana, opera com apenas 18,5% de sua capacidade.
Paula Lanza
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Desde o final de 2015, a população sofre com o racionamento e, a partir do último dia 22 de setembro, vigora o rodízio de 48 horas sem água por 24 horas com água para o abastecimento em quase toda a cidade. Não é necessário dizer que os bairros proletários e periféricos, onde vivem a maior parte das classes trabalhadoras da cidade, são os mais afetados. A situação é tal que, em alguns bairros, tornou-se comum ficar de três dias até uma semana sem uma gota d'água.
Desnecessário seria descrever o sofrimento e humilhações que uma situação como esta impõe, particularmente aos mais pobres. Basta mencionar que virou rotina escolas e postos de saúde fecharem as portas por dias consecutivos devido à falta d'água. Alguns bairros ficam até dez dias consecutivos sem abastecimento!
Mesmo sendo verdade que o Norte de Minas passa pelo maior período de seca dos últimos 100 anos, com uma severa estiagem que completa sete anos, a causa do que se convencionou chamar no monopólio de imprensa como "crise hídrica" possui raízes econômicas e políticas mais profundas. Historicamente, o problema da seca na região é a principal moeda de barganha do latifúndio (tanto na roupagem tradicional, como na nova roupagem denominada "agronegócio") e da grande burguesia burocrática junto ao velho Estado. Processo este que teve na inclusão do Norte de Minas no "Polígono da Seca", ainda na década de 1960, durante o regime militar-fascista, o seu principal marco político. Desde então, toda vez que os jornais dos coronéis locais falam em "seca", querem dizer "mais recursos estatais" para estas classes parasitas.
Para onde foi a água?
Ainda no ano de 1997, na renovação do contrato de concessão dos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgoto entre a prefeitura de Montes Claros e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa)1, ficou estabelecido o "pleno abastecimento de água em Montes Claros". Ou seja, que a Copasa ficaria, a partir de então e durante todo este período, responsável por coletar e tratar 100% do esgoto, incluindo todos os distritos rurais. Para cumprir com este compromisso, "estudos indicavam, àquela época, que a Copasa precisaria investir em quatro anos cerca de 100 milhões de reais"2.
Passados 20 anos, a Copasa não cumpriu com as suas obrigações, dentre as quais a já prevista construção da represa de Congonhas. Pelo contrário, além de manter sem saneamento básico incontáveis bairros e a quase totalidade das comunidades camponesas do município – conforme demonstra levantamento realizado pela prefeitura entre os anos de 2015 e 2016 para elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico – 40% das águas que entram nas tubulações do sistema de abastecimento de água de Montes Claros não chegam às casas do consumidor, perdendo-se em tubulações antigas e que não recebem a adequada manutenção.
Essa situação contrasta com o eficiente sistema de cobrança de taxas da empresa, há muito completamente automatizado e on-line. Importante lembrar que, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), somente no período de 2000 a 2017, a cidade cresceu em cerca de 100 mil habitantes. Não é de se estranhar que, investindo somente em tornar mais eficiente a sua arrecadação e deixando de lado a infraestrutura para assegurar a manutenção e a imprescindível ampliação da oferta dos serviços prestados, a Copasa arrecade, anualmente, somente em Montes Claros, cerca de 100 milhões de reais3.