A falência do sistema político e o agravamento da crise geral da reação
Os números das eleições municipais, realizadas nos dias 15 e 29 de novembro (em seus primeiro e segundo turnos, respectivamente), dão mostras do grau de desmoralização do sistema político de velha democracia. O número de abstenções, votos nulos e brancos (eleitores registrados que decidiram boicotar as eleições reacionárias) foi recorde.
A média nacional de abstenções – sem contar votos nulos/brancos e as pessoas com idade para votar que não regularizaram seu título – atingiu 23,14%, no primeiro turno, e 29,5% no segundo, o maior desde 1996, e superou num salto o índice registrado nas últimas eleições municipais, em 2016 (17,5% e 21.6% nos primeiro e segundo turnos).
Nas principais capitais, o índice de boicote eleitoral, ainda no primeiro turno, foi surpreendente. No segundo, não foi diferente. Tudo isso apesar da manobra contábil da justiça eleitoral, que camufla o tamanho do boicote eleitoral ao divulgar a porcentagem de votos dos candidatos em comparação aos votos válidos, excluindo desse cálculo os nulos, brancos e a quantidade de eleitores aptos que se abstiveram. Para realizar o correto cálculo, é preciso tomar o total de eleitores e tirar a porcentagem de votos dos candidatos sobre esse número total. Os dados brutos são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No Rio de Janeiro, a capital com maior índice de nulos, brancos e abstenções, o boicote eleitoral sobrepassou 45,7% daqueles registrados a votar (2.217.976 de um total de 4.851.298 de eleitores aptos) no primeiro turno. Marcelo Crivella e Eduardo Paes receberam, respectivamente, 17,68% e 29,89% dos votos do eleitorado apto (974.804 e 576.825, respectivamente). Já no segundo turno, o boicote eleitoral atingiu 2,3 milhões de pessoas num universo de 4,85 milhões de eleitores registrados (47,5%), superando o eleito, Eduardo Paes, que não passou de 1,62 milhões de votos (33,5% do total, 14 pontos percentuais a menos!). A vitória acachapante do boicote eleitoral é sintomática nessa capital, vitrine dos problemas nacionais.
Ativistas revolucionários realizaram agitação pelo boicote à farsa eleitoral. A atividade aconteceu em uns dos portões de acesso a Central do Brasil, no centro do Rio de Janeiro. Foto: Comitê de Apoio do Rio de Janeiro.
Em São Paulo, enquanto Bruno Covas e Guilherme Boulos alcançaram – no primeiro turno – a marca de ínfimos 19,5% e 12% dos votos do eleitorado total (respectivamente: 1.754.013 e 1.080.736 de votos), os nulos, brancos e abstenções somaram impressionantes 40,5% do eleitorado paulistano (3.647.901 para um total de 8.986.057 eleitores). Nem unificando os votos dos dois politiqueiros (cuja soma dá, arredondando, 2,8 milhões de votos) eles são capazes de ultrapassar a marca do boicote eleitoral, no primeiro turno. Já no segundo, numa polarização arbitrariamente criada, Covas alcançou 3,1 milhões de votos (35,2% do eleitorado registrado), porém, nem assim pôde medir-se com os nulos, brancos e abstenções, que ultrapassaram 3.649.457, isto é, 40,6% dos eleitores registrados ao pleito.
Em Porto Alegre, o boicote eleitoral ainda no primeiro turno foi a opção de 40,3% do eleitorado total (436.971 pessoas dentre as 1.082.584 de pessoas aptas a votar), enquanto Sebastião Melo e a revisionista Manuela D’Ávila tiveram, respectivamente, 27,6% (200.280) e 25,8% (187.262) dos votos. O constrangimento não parou aí: no segundo turno, só as abstenções – sem contar nulos e brancos – fizeram das eleições algo de ilegítimo ao somar 32,7% dos eleitores registrados, enquanto a segunda colocada – D’Ávila – não passou de 28,4% do eleitorado. Somadas as abstenções aos votos nulos e brancos, o índice de boicote atinge 37,3% do eleitorado total, enquanto o eleito, Sebastião Melo, não recebeu mais que 370,5 mil votos (34,2% do eleitorado total).
Em Manaus, enquanto no primeiro turno, Amazonino Mendes alcançou 21,4% de votos do eleitorado total (234.088 pessoas) e seu concorrente, David Almeida, não ultrapassou 20,1% (218.929), os nulos, brancos e abstenções sobrepujaram os 26,4% do eleitorado total (352.605 de um total de 1.331.613 eleitores). Em Goiânia, também no primeiro turno, o boicote eleitoral atingiu 38,5% do eleitorado total (368.297 pessoas para um total de 955.854 eleitores aptos), enquanto Maguito Vilela atingiu apenas 32,2% e Vanderlan, 22,1% dos votos do eleitorado total (217.194 e 148.739, respectivamente). Já no segundo turno, a abstenção alcançou o maior índice nacional: 36,7% do eleitorado apto (mais de 356,9 mil eleitores). Junto com nulos e brancos, o número é ainda maior: 443,6 mil pessoas, ou seja, 45,6% do eleitorado! O eleito, Maguito Vilela – que sequer fez campanha – não superou 28,5% do eleitorado, com 277,4 mil votos apenas.
Curitiba (38%), Salvador (36%), Belo Horizonte (36,3%) e Fortaleza (29,6%) são outras capitais onde o boicote à farsa eleitoral foi expressivo, ainda no primeiro turno.
Uma grande campanha de boicote eleitoral!
A repulsa e o boicote eleitoral espontâneo protagonizados por um enorme contingente de trabalhadores e pequenos proprietários foram acompanhados de uma vigorosa campanha de boicote consciente às eleições reacionárias, impulsada por movimentos revolucionários de massas.
Pichações, panfletos, comícios e panfletagens foram algumas das ações utilizadas para propagar a necessidade de não votar, em romper com as ilusões de que o vigente sistema político é democrático e, consequentemente, por defender a necessidade de uma Revolução de Nova Democracia que instaure uma legítima República Democrática.
As pichações, encontradas em todas as regiões do país, conclamam palavras de ordem, tais como: Eleição não! Guerra Popular sim! ANL vive! – em referência à Ação Nacional Libertadora (ANL), frente revolucionária dirigida pelo Partido Comunista do Brasil (P.C.B.) através da qual se realizou o Levante Popular de 1935 pela instauração de uma República Democrática no país –, Vacina para o povo já!, Auxílio emergencial de R$ 1.000 até o fim da recessão!. Produção nacional, salário e trabalho decente!, Abaixo o governo de generais e seu capitão falastrão!– todas acompanhadas com a consigna: Eleição não, Revolução sim! Outras pichações e faixas foram estendidas Brasil adentro com palavras de ordem como: Não votar! Rebelar-se é justo! e Eleição é farsa!, assinadas por Liga dos Camponeses Pobres (LCP), Alvorada do Povo (AP), Movimento Estudantil Popular Revolucionário (MEPR), Movimento Feminino Popular (MFP), entre outros.
Os estados onde se registraram ações de diversos tipos foram: Maranhão, Rio de Janeiro, Rondônia, Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Pará, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Paraíba, Pernambuco etc.
Especificamente no Rio de Janeiro, na movimentada Central do Brasil, dezenas de ativistas populares realizaram distribuição de 5 mil panfletos exortando a população a boicotar a farsa eleitoral e fundamentando a razão pela qual ela – a eleição – não pode resolver nada dos problemas centrais das massas. O panfleto, assinado pelo MFP, terminava com a consigna: Viva a Revolução de Nova Democracia! Ações similares, de massas, ocorreram em Salvador, no dia do primeiro turno, e em outras capitais.
Pichação que exige direitos básicos para o povo foi encontrada na cidade de Aparecida de Goiânia, em Goiás: Produção nacional, salário e trabalho decente! Eleição não, Revolução sim!. Foto: Banco de Dados AND.
O significado de um boicote eleitoral dessa magnitude
O crescimento tendencial irrefreável do desmascaramento da “democracia” como, na verdade, uma ditadura a serviço dos monopólios – que se expressa de forma evidente no crescimento numérico do boicote eleitoral, mas não só – é um fato inconteste, no Brasil e em todo o mundo. As consequências desse fato são muito sérias, e os reacionários sabem. A desmoralização da velha ordem política é, por isso mesmo, uma tendência ao crescimento da rebelião das massas potencialmente inclinadas ao caminho revolucionário – desde que este se lhes apresente.
Conforme fundamentou o Editorial Eleições 2020: os estertores de um sistema político putrefato, “a desmoralização da única instância em que o Estado se apresenta como democrático para a maior parte da população – as eleições, pensadas pelos ideólogos liberais como o altar no qual se reafirma periodicamente o pacto social – não é sem consequências. Esta experiência do engano e da frustração, não ocorrerá ad eternum”.
Em contraposição a tudo isso posto, o projeto oportunista se fundamenta na desculpa segundo a qual as massas não estão aptas a apoiar o caminho revolucionário agora, fato que – argumenta – obrigaria os revolucionários a darem um passo atrás em sua tática para poder alcançar a consciência política atrasada das massas, participando das eleições como forma de desmascará-las diante das massas e convencê-las a passar a uma tática revolucionária.
Todavia, o amplo e aberto rechaço à farsa eleitoral, anunciado desde esta tribuna e confirmado na realidade objetiva – sem considerar aquele enorme contingente que, participando, não deposita nas eleições mais do que indiferença e apatia – reafirma que a consciência política das massas populares, mesmo desorganizadas, já estão aptas e receptivas às táticas e projeto revolucionários. Só o que falta depende dos revolucionários..