O militar capitão da reserva do Exército, Raimundo Pereira dos Santos Neto, determina reconstrução de estrada em Território Indígena (TI) Apyterewa. O militar é um dos ao menos 19 militares que ocupam cargos de coordenação regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) indicados pelo governo militar de Bolsonaro e generais. Essa área foi homologada em 2007 e está localizada em São Félix do Xingu, sul do Pará (PA).
Em entrevista ao jornal monopolista Uol, o indígena Kaworé Parakanã, presidente da Associação Tato’a, que representa os parakanãs de Apyterewa, denuncia que o militar não deveria autorizar a obra e afirmam: “Não aceitamos. Eles são a favor dos invasores. Eles são aliados da prefeitura de São Félix”. A decisão autoritária foi tomada, de acordo com os povos da TI, sem qualquer consulta pública aos indígenas e comunidade local, contrariando o Art. 231 da Constituição da República Federativa do Brasil, que comprova-se mais uma vez ser letra morta.
Território Indígena (TI) Apyterewa poderá novamente ter estrada contra vontade dos povos que ali vivem. Foto: Reprodução
Os indígenas disseram que só ficaram sabendo da obra a partir de um vídeo que circulou em aplicativos de telefones celulares. O discurso público do governador Helder Barbalho (MDB) do estado do PA com o prefeito de São Félix, João Cleber (MDB). Na gravação, os reacionários apresentam o ofício de “autorização” da reconstrução nas TI. O prefeito diz: “Eu provoquei a Funai porque vivem aqui, governador, mais de 3 mil familiares do Apyterewa vivem ali jogado à míngua. E eu provoquei a Funai através do Raimundo Neto e ele autorizou que o município possa entrar com máquinas, recuperar as estradas lá dentro do Apyterewa”.
Mas o fato é que para obter a licença ambiental para realização da construção da usina hidrelétrica Belo Monte (PA), se comprometeu em relocar as famílias que ocuparam o território – decorrente pressão causada pelo aumento populacional da região em consequência da construção da obra –, mas na práticas aconteceu parcialmente, abandonando famílias no local.
O que apontam os indícios é que essa estrada tende a beneficiar de fato o escoamento da produção dos grandes latifundiários que invadem terras homologadas dos povos originários.
Latifúndio invade Território Indígena e cria gado ilegalmente
Em 2019, foi identificada uma fazenda chamada Lucélia com 1,4 mil hectares (ha) dentro da área do Território indígena Apyterewa. A fazenda se encontrava no nome dos latifundiários Antônio da Silva Arruda e Geremias Rocha de Freitas. Documentos obtidos pelo portal Repórter Brasil mostram que em dezembro de 2019, um carregamento de bois foi encaminhado para uma propriedade rural fora da terra indígena.
Foi identificada também a Fazenda Sol, de 2 mil ha também em território indigena. A área supostamente pertencia ao latifundiário Antônio Borges Belfort, com valor estimado em R$ 1,1 milhão. Antonio foi candidato derrotado a vereador do município de São Félix do Xingu, em 2016. No município também foi identificado entre 2018 e 2019, dezenas de animais transportados para outra fazenda de Belfort localizada fora das terras indígenas da fazenda Serra da Pedra.
De acordo com pesquisadores, a produtividade máxima de uma propriedade rural na Amazônia dificilmente vai além de três animais por hectare ao ano, logo a fazenda Serra da Pedra conseguiria comercializar 60 bois por ano, no entanto, a fazenda comercializou 135 bois ao frigorífico da Marfrig no município de Tucumã (PA), além de negociar centenas a unidade do Frigol em São Félix do Xingu (PA).
Ou seja, essa é uma das formas que os latifundiários que invadem terras indígenas encontram para “legalizar” e “esquentar” as negociações dos bois. Desde 2009, o Ministério Público Federal (MPF) em acordo com companhias de proteína animal proíbe o abate de bois provenientes de fazendas desmatadas ilegalmente, reservas ambientais e áreas indígenas.
Em 2016, de acordo com a Funai foram contabilizadas cerca de 50 mil cabeças de gado dentro do território indígena.
Foto: Rafael Mantarro/Repórter Brasil
Os reacionários, seus conluios e promessas
Em abril de 2020, chefes de fiscalização do Ibama foram exonerados por realizar uma operação que apreendeu equipamentos de garimpo ilegais em três terras indígenas, entre elas na Apyterema. Bolsonaro ficou descontente com a ação, pois havia prometido aos monopólios mineradores a possibilidade de revogar um decreto que autorizava a inutilização de equipamentos para extração de minério em áreas sem permissão.
Mesmo com a homologação, que representa o último passo no processo de reconhecimento e consolidação dos territórios indígenas diante da legislação do velho Estado, os povos originários do território Apyterema vivem sobre insegurança pois em maio do mesmo ano Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro da corte Gilmar Mendes determinou em liminar (decisão provisória) do último dia 26 de maio que a União fosse intimada para uma proposta de “conciliação”.