Consequências de temporais previsíveis são o retrato do desprezo que governantes têm pelo povo. Foto: Amanda Perobelli
Chegou a 116 o número de municípios atingidos pelas consequências da chuva, 100 deles já decretaram estado de emergência e outros 70 se encontram em estado de crise. Mais de 60 mil pessoas estão desabrigadas e desalojadas. O número de feridos por acidentes ultrapassa os 350.
A chuva, que afeta mais de 471 mil pessoas, tem previsão de prosseguir até o início da próxima semana. Isto leva a revolta e o desespero à população, que enfrenta as chuvas desde o dia 8 de dezembro. Inicialmente, os temporais atingiram somente o sul do estado. Atualmente já há cidades no sul, no oeste e no norte baiano que decretaram estado de emergência.
Até o fechamento desta matéria o número de mortes confirmadas era de 20 pessoas. Outras pessoas seguem desaparecidas.
Desalojados, desabrigados e barragens rompidas
Famílias perderam suas casas de uma hora para outra, ficando desalojadas e tendo que se dirigir para escolas. Caixões de mortos tiveram de ser transportados de barco. Cidades inteiras estão sem abastecimento de energia e de água. Estoques de remédios e vacinas foram destruídos pela força das águas. Moradores saem de casa sabendo que podem jamais retornar para ela, perdendo tudo o que têm. É este o cenário atual da Bahia.
Caixão com morto é recebido de barco pela família. Foto: Camila Souza
Além da chuva, pelo menos uma barragem com alto volume de água, localizada em Itambé , rompeu-se. Isto levou a enxurrada de água e imensos alagamentos para alguns pontos da cidade localizada no sudoeste do estado.
O Comando do Corpo de Bombeiros da Bahia afirmou que se trata de barragens privadas que estão se rompendo. Elas são construídas por latifundiários e não contam com estrutura adequada para uma situação de muita água decorrente de fortes temporais. Ao menos 10 delas estão em nível crítico.
Nas rodovias há pelo menos 25 pontos de interdição provocados por consequências das chuvas.
A energia de muitas cidades também foi cortada pela Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (Coelba) para evitar acidentes.
Negligência e descaso
Governos estaduais e municipais do estado da Bahia não se anteciparam no sentido de mitigar as consequências das fortes chuvas para a população. Nem mesmo três alertas emitidos desde o dia 20 de dezembro por órgãos meteorológicos, como o Centro Nacional de Monitoramento de Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), foram suficientes para que o governador e os prefeitos fizessem planos concretos sobre o que fazer ao desabar das fortes chuvas.
O volume imenso de água acima das próprias expectativas era somente em termos imprevisíveis. As fortes chuvas e as conhecidas consequências delas, por sua vez, eram já de conhecimento de todos. Um relatório dos relatórios da Cemaden indicava que a partir da previsão de temporais era possível “identificar um ALTO RISCO de ocorrência de novos deslizamentos de terra e inundações”.
Bombeiros carregam caixão com vítima das enxurradas. Foto: Camila Souza
Outras regiões do país já tem uma verdadeira rotina de desalojados por consequência das chuvas. Contudo, assim como ocorre na Bahia, episódios deste tipo não conduzem os governadores e prefeitos a se mobilizarem para melhorar a situação.
Tragédia anunciada
Monopólios de imprensa e representantes dos governos buscam ofuscar o descaso focando somente no fenômeno natural. Buscando também se antecipar à justa indignação que surge juntamente com a solidariedade com os atingidos, apontam que os temporais nesta região no início do verão é um fenômeno atípico. Em realidade, as explicações meteorológicas ofuscam a raiz da questão, que é o descaso com que os governos tratam o saneamento básico e o planejamento para enfrentar situações de fortes chuvas.
Especialistas indicam que os temporais são decorrentes da La Niña, fenômeno climático que altera o padrão de chuva e a temperatura de todo o globo. De fato as fortes chuvas, que neste quase finalizado mês de dezembro registrou, só em Salvador, mais de 200 mm (quando a média de precipitação registrada na cidade é de 51 mm), não são comuns. Porém em maio o índice pluviométrico registra uma média de 190mm. O que de fato ocorre é que a tragédia anunciada veio antes, causando surpresa nos governantes e um misto de tristeza e revolta na população.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística e o próprio Cemaden já emitiram estudos apontando que o país tem, atualmente, cerca de 8,2 milhões de pessoas vivem em áreas que apresentam riscos de desastres. Não há, porém, sequer um estado brasileiro em que o governo tenha um plano sobre como alocar famílias que podem perder tudo de uma hora para outra. No Rio de Janeiro, por exemplo, a prefeitura de Eduardo Paes utilizou menos de 1/3 do orçamento para ações contra enchentes.